Reunião de família (ou, título desnecessário, não sei o que me motiva a deixá-lo)
Hoje foi um dia para rever gente. Há anos, provavelmente mais do que os que vivo, que não se uniam tais e tantos familiares, de lugares bastante diferentes. Excluindo-se velórios; mas ainda assim há membros que não vão a velórios.
Velórios, cujo equivalente em francês aprendi nessa semana e, incompetentemente, já me esqueci (algo com "d"), um dos tópicos que sempre prepassa nesse tipo de ocasião, espero não estar sendo macabro por citar o tal logo de cara. Somente aproveito o gancho pois um primo comenta, pelas tantas, que a sua primeira lembrança de criança-lidando-com-a-morte fora no velório de meu avô, no bem passado maio de 69 (sim, Paris em um ano de esfriamento). Me veio à mente que sou profundamente grato a meus pais por ter sido introduzido a esse ritual de modo muito natural . Acho que o primeiro foi o de meu tio, 7 anos, talvez tia-avó Maria, 5, ou algo próximo. Pensando no panorama de coisas que ainda me assusta bastante, é muito natural que a morte seja citada, e digo natural pelo seu perfil (alta trela para metafísica, existencialismo, fés, toda a balburdia do "ser-se"), mas o cerimonial para se lidar com ela é muito bem digerido. Penso que os ritos da exposição do corpo em meio a flores, o aguardar de algumas horas, o carregar até o cemitério e demais detalhes que não quero me incomodar tentando detalhar, e incomodo esse muito mais ligado aos próprios atos que ao fato de escrever; se tudo me fosse apresentado mais tarde, quando meus parafusos e antenas já estivessem mais desajustados e conflituosos em relação ao acontecer do mundo, creio que teria aversão profunda a ir a tais cerimônias, seria crítico e absolutamente 'paurado' de participar (ainda que como visitante, do lado de fora do caixão, óbvio). É muito satisfatório perceber, num dia como esse, que se tem um trauma à menos, escapei de uma que seria problemática!
O que não quer dizer que ir a um velório não me deprima e faça tremer.
Me vem à mente agora, ainda, o dia em que, por engano, "mataram" uma caríssima amiga e me fui, como um tonto, no velório da pessoa errada... não, não foi nada cômico, não sabes como! Mas essa história fica para outro dia, voltando à reunião de família.
Uma simpática e atrapalhada tia-avó, cuja última aparição em minha vida se deu muitos anos antes de me tornar usuário de espuma para barba, me conta que tem, em sua sala, um retrado meu e de minha irmã. Disse que minha mãe deu a ela há muitos anos, e que ela sempre se lembra da gente! Não fazia idéia disso!!! Pedi para que ela descrevesse como era a nossa imagem e logo descobri de qual se tratava. Nas minhas costas, há poucos metros, tenho um porta-retratos na parede de fotos de minha mãe com outra cópia dela. Estou olhando para ela, na parte mais alta, sombreada. Devia ter 4 anos, camisa de gola branca (com botões de pressão de metal, botões de pressão de metal!) e risca-de-giz amarela, a boca aberta, cabelo muito leve e os olhos densos como nunca mais vi. Minha irmã, ainda vestindo tecido e motivos bebê, já com um brinco mas ainda sem tanto cabelo, segura um ratinho vermelho da mão e olha para a direção lateral. Até um minuto atrás, nunca havia notado que o olhar dela foge e eu olho para a câmera. Sabendo que isso realmente não importa, coloquei a foto novamente no lugar. Tia Francisca, então a senhora nos vê sempre?! Eu só a vejo ao escavucar a antiga caixa de fotos da minha avó, algo de anos que, depois de hoje, se tornou emergencial.
Engraçado com as imagens que realmente importam ficam. Sei muito bem qual o tipo de coisa que se encontra nessa caixa da minha avó, posso descrever várias com muito prazer e razoáveis detalhes. Me vem um gosto tão bom nas papilas da consciência quando sei que está tudo aqui ainda, que tenho muito lixo e memórias nocivas (especialmente para a auto-estima e amor próprio) mas as MMMMemórias prevalecem.
E um outro gosto, com bouquets de segunda taça de Merlot, quando o álcool já evaporou e os extremos da lingua já perceberam o que esperar e como se divertir com as novas doses. O de ainda poder viver tudo isso, ainda que alguns tenham lamentavelmente ido.
Meu pai comentou sobre seu nonno, que nesta semana faria 117 anos... cara, eu daria pelo menos 20 da minha vida (o que significaria que, caso eu vivesse até os 40, morreria amanhã, hehehe) para passar meia hora com ele e todos os outros dos "causos". É um pensamento simples, irreal e bastante comum, mas não posso evitar. É necessário. Faz parte do bouquet.
E degustar esses momentos de convivência, as provocações nos jogos de truco (eu consigo ser ruim, muito ruim, mas tem horas que me supero de tããão ruim!), o comer carnes e doces, o falar das crianças. Até o memorável semi-cochilar enquanto se toca no futuro incerto e no medo e falta de jeito para enfiar a cara no mundo (que gera, entre outros momentos de desamparo, esse blog) junto a uma prima compreensiva e também "lascada" (como eu odeio essa expressão, puro masoquismo usar aqui); sim, absolutamente, é algo a se degustar. Momentos! Especiais, muito especiais.
Umas raspazinhas da casca da fruta, uns pedacinhos de uma vida absolutamente perfeita, à qual sou grato com todas as minhas forças, e que paradixalmente, e assim deve ser tudo, consigo complicar. Se sou eu e depende só de mim, (?), isso sim é uma outra grande discussão, aqui e agora abortada em reticências... {e sem nenhuma pretensão poética nisso, juro}
Enquanto se fazia as limpas da chácara e se despediam pessoas, fui andar sozinho para pensar em tudo isso. O semi-cochilo não bastara, e ainda me brindava com uma dorzinha leve no ombro (sem postura nem para dormir, tsc tsc). Após um dia alternando esses cantinhos anti-sociais onde fico para observar o movimento, recalcando minha timidez e dificuldade em me integrar a grupinhos (ir até o carro buscar o livro ficaria extremamente chato, e a droga do jornal estava lido) , e os pequenos insertes do rapaz pateta e atrapalhado, que derruba capirinha no próprio pé (não por culpa da própria caipirinha, hehe, juro) e tromba em mesas, que solta tiradas breves e ácidas, após isso é bom arejar, tentar apertar o conjunto num envelopão só, daqueles pardos de repartição, marcados com tinteiro azul. Afundar as sandálias na grama, cheirar folhas e cascas de árvores sozinho (sozinho, cheirar flores e árvores... eis outro problema recente, para mim gigantesco,que não calha à mesa e ocasião...), divagar e devagar com o burburinho e risos distante. Limoeiro, cedrinho, não sei mais o nome. Tudo já escuro. A água inquieta, mas comportada, lá para trás.
Senti o necessário.
E, cá, muito divaguei para nada dizer (meus perdões de foi perda de tempo para ti), mas também devo me conformar que essa mixagem é resultado do nível de coisas que me ecoaram.
A tristeza quando um dia tão bom como esses acaba é indescritível, uma torção interna incontornável, ciência de que outro desses não será tão breve. Mas até que eu sofri menos. Sofrer, digo, sempre internamente, sou incapaz de me permitir demonstrar qualquer sinal de preocupação com isso; o não-expor-se também é uma fraqueza, se não supero consegui assumi-la. Enfim, sofri menos, acredito que esse pensamento de processo e uma certa ponta de otimismo junto à melancolia saudosista podem ter ajudado.
Não é propriamente a maturidade emocional, que eu nunca atingirei, mas é algo. E, pensando com alguma lucidez, esse turbilhão emocional, positivo ou nocivo, me agrada demais!
Hoje foi um dia para rever gente. Há anos, provavelmente mais do que os que vivo, que não se uniam tais e tantos familiares, de lugares bastante diferentes. Excluindo-se velórios; mas ainda assim há membros que não vão a velórios.
Velórios, cujo equivalente em francês aprendi nessa semana e, incompetentemente, já me esqueci (algo com "d"), um dos tópicos que sempre prepassa nesse tipo de ocasião, espero não estar sendo macabro por citar o tal logo de cara. Somente aproveito o gancho pois um primo comenta, pelas tantas, que a sua primeira lembrança de criança-lidando-com-a-morte fora no velório de meu avô, no bem passado maio de 69 (sim, Paris em um ano de esfriamento). Me veio à mente que sou profundamente grato a meus pais por ter sido introduzido a esse ritual de modo muito natural . Acho que o primeiro foi o de meu tio, 7 anos, talvez tia-avó Maria, 5, ou algo próximo. Pensando no panorama de coisas que ainda me assusta bastante, é muito natural que a morte seja citada, e digo natural pelo seu perfil (alta trela para metafísica, existencialismo, fés, toda a balburdia do "ser-se"), mas o cerimonial para se lidar com ela é muito bem digerido. Penso que os ritos da exposição do corpo em meio a flores, o aguardar de algumas horas, o carregar até o cemitério e demais detalhes que não quero me incomodar tentando detalhar, e incomodo esse muito mais ligado aos próprios atos que ao fato de escrever; se tudo me fosse apresentado mais tarde, quando meus parafusos e antenas já estivessem mais desajustados e conflituosos em relação ao acontecer do mundo, creio que teria aversão profunda a ir a tais cerimônias, seria crítico e absolutamente 'paurado' de participar (ainda que como visitante, do lado de fora do caixão, óbvio). É muito satisfatório perceber, num dia como esse, que se tem um trauma à menos, escapei de uma que seria problemática!
O que não quer dizer que ir a um velório não me deprima e faça tremer.
Me vem à mente agora, ainda, o dia em que, por engano, "mataram" uma caríssima amiga e me fui, como um tonto, no velório da pessoa errada... não, não foi nada cômico, não sabes como! Mas essa história fica para outro dia, voltando à reunião de família.
Uma simpática e atrapalhada tia-avó, cuja última aparição em minha vida se deu muitos anos antes de me tornar usuário de espuma para barba, me conta que tem, em sua sala, um retrado meu e de minha irmã. Disse que minha mãe deu a ela há muitos anos, e que ela sempre se lembra da gente! Não fazia idéia disso!!! Pedi para que ela descrevesse como era a nossa imagem e logo descobri de qual se tratava. Nas minhas costas, há poucos metros, tenho um porta-retratos na parede de fotos de minha mãe com outra cópia dela. Estou olhando para ela, na parte mais alta, sombreada. Devia ter 4 anos, camisa de gola branca (com botões de pressão de metal, botões de pressão de metal!) e risca-de-giz amarela, a boca aberta, cabelo muito leve e os olhos densos como nunca mais vi. Minha irmã, ainda vestindo tecido e motivos bebê, já com um brinco mas ainda sem tanto cabelo, segura um ratinho vermelho da mão e olha para a direção lateral. Até um minuto atrás, nunca havia notado que o olhar dela foge e eu olho para a câmera. Sabendo que isso realmente não importa, coloquei a foto novamente no lugar. Tia Francisca, então a senhora nos vê sempre?! Eu só a vejo ao escavucar a antiga caixa de fotos da minha avó, algo de anos que, depois de hoje, se tornou emergencial.
Engraçado com as imagens que realmente importam ficam. Sei muito bem qual o tipo de coisa que se encontra nessa caixa da minha avó, posso descrever várias com muito prazer e razoáveis detalhes. Me vem um gosto tão bom nas papilas da consciência quando sei que está tudo aqui ainda, que tenho muito lixo e memórias nocivas (especialmente para a auto-estima e amor próprio) mas as MMMMemórias prevalecem.
E um outro gosto, com bouquets de segunda taça de Merlot, quando o álcool já evaporou e os extremos da lingua já perceberam o que esperar e como se divertir com as novas doses. O de ainda poder viver tudo isso, ainda que alguns tenham lamentavelmente ido.
Meu pai comentou sobre seu nonno, que nesta semana faria 117 anos... cara, eu daria pelo menos 20 da minha vida (o que significaria que, caso eu vivesse até os 40, morreria amanhã, hehehe) para passar meia hora com ele e todos os outros dos "causos". É um pensamento simples, irreal e bastante comum, mas não posso evitar. É necessário. Faz parte do bouquet.
E degustar esses momentos de convivência, as provocações nos jogos de truco (eu consigo ser ruim, muito ruim, mas tem horas que me supero de tããão ruim!), o comer carnes e doces, o falar das crianças. Até o memorável semi-cochilar enquanto se toca no futuro incerto e no medo e falta de jeito para enfiar a cara no mundo (que gera, entre outros momentos de desamparo, esse blog) junto a uma prima compreensiva e também "lascada" (como eu odeio essa expressão, puro masoquismo usar aqui); sim, absolutamente, é algo a se degustar. Momentos! Especiais, muito especiais.
Umas raspazinhas da casca da fruta, uns pedacinhos de uma vida absolutamente perfeita, à qual sou grato com todas as minhas forças, e que paradixalmente, e assim deve ser tudo, consigo complicar. Se sou eu e depende só de mim, (?), isso sim é uma outra grande discussão, aqui e agora abortada em reticências... {e sem nenhuma pretensão poética nisso, juro}
Enquanto se fazia as limpas da chácara e se despediam pessoas, fui andar sozinho para pensar em tudo isso. O semi-cochilo não bastara, e ainda me brindava com uma dorzinha leve no ombro (sem postura nem para dormir, tsc tsc). Após um dia alternando esses cantinhos anti-sociais onde fico para observar o movimento, recalcando minha timidez e dificuldade em me integrar a grupinhos (ir até o carro buscar o livro ficaria extremamente chato, e a droga do jornal estava lido) , e os pequenos insertes do rapaz pateta e atrapalhado, que derruba capirinha no próprio pé (não por culpa da própria caipirinha, hehe, juro) e tromba em mesas, que solta tiradas breves e ácidas, após isso é bom arejar, tentar apertar o conjunto num envelopão só, daqueles pardos de repartição, marcados com tinteiro azul. Afundar as sandálias na grama, cheirar folhas e cascas de árvores sozinho (sozinho, cheirar flores e árvores... eis outro problema recente, para mim gigantesco,que não calha à mesa e ocasião...), divagar e devagar com o burburinho e risos distante. Limoeiro, cedrinho, não sei mais o nome. Tudo já escuro. A água inquieta, mas comportada, lá para trás.
Senti o necessário.
E, cá, muito divaguei para nada dizer (meus perdões de foi perda de tempo para ti), mas também devo me conformar que essa mixagem é resultado do nível de coisas que me ecoaram.
A tristeza quando um dia tão bom como esses acaba é indescritível, uma torção interna incontornável, ciência de que outro desses não será tão breve. Mas até que eu sofri menos. Sofrer, digo, sempre internamente, sou incapaz de me permitir demonstrar qualquer sinal de preocupação com isso; o não-expor-se também é uma fraqueza, se não supero consegui assumi-la. Enfim, sofri menos, acredito que esse pensamento de processo e uma certa ponta de otimismo junto à melancolia saudosista podem ter ajudado.
Não é propriamente a maturidade emocional, que eu nunca atingirei, mas é algo. E, pensando com alguma lucidez, esse turbilhão emocional, positivo ou nocivo, me agrada demais!
* * *
Obs: Não tenho vontade de colocar nenhuma imagem que já tenha aqui, nem a minha foto de infância, quero também poupar o Van Gogh (novamente, seria sem relações claras e diretas, e regrifo o claras e diretas), e já está tarde para produzir uma boa imagem. Não precisa.