Aria n°2 - esboço de meia hora
Um primeiro dia (pouco) mais calmo em dias. Acordar não tão cedo e me propor a ver um pouco de filme antes de ir pra reunião (e são tantas, e são tantas, o que houve com a vida?) na Eca. Aliás, acabei o filme só depois, é da minha lista pra pesquisa de TCC: "Maradona by Kusturica": claro que o argentino é um imenso ególatra mas, putaquipariu, não lembrava que ele chutou tão bem, mammamia; e olha que futebol não costuma me comover quase nada.
Pra ir à reunião, a eterna espera pelo maldito 7725/10 da Sptrans, uma linha de ônibus dadaísta que nãoo gosta de manter padrões entre seus horários largamente espaçados. Em Sampa eu não sou um ser motorizado, e isso tem me frustrado no limite, quero resolver isso bem em breve... enfim, enfim.
Chega a moça-de-vestido-verde-botas-gnomo-celular-vermelho-com-ligações-tensas, pergunta pelo mesmo ônibus. Troca de comentário descontente semi-sorridente comme d'habitude, ela senta pra resmungar no celular, eu continuo com a mente rasa e esvaziada, procurando alguém mais notável para observar, pensando em segundo plano em uma tira em quadrinhos para se desenhar...
Eu já conhecia a outra menina que chega de vista, do ônibus de volta ou da região do condomínio. E, se sou um péssimo fisionomista e não botaria fé em saber de seu rosto e jeitos, guardo com facilidade elementos como uma mochila mínima bordada do "Festival de Inverno de Campos do Jordão"; adoraria ir no próximo, preciso criar vergonha e dar um jeito. Por mais que eu não goste daquela cidade, más lembranças.
Ela me faz a mesma pergunta da outra moça, desculpeeutambémsóchegueifaz5minutospoisé, agradece e se senta. Na meia-hora seguinte, a pobre moça atrasada me foi um excelente assunto...
Se a mochila era uma boa dica, sua abertura e o maço de partituras tirado pela mão pálida confirmavam a Ecanidade, e o Departamento de Música. Pronto, uma instumentista, ou talvez compositora, regente!
Tentei ler a partitura com minha competência musical limitada e destreinada, uma aria bem clara, pareceu simpática. Folhas com algumas notas a lápis, e uma leitura atenta pelos óculos ovaloides metálicos, lembrando bastante os do Iuri. Olhos cor de azeitona de pote de mercado concentradíssimos, dedos torcendo com uma leveza que ocultava a tensão que não calava.
Os cabelos castanho claros, perdendo na altura dos ombros seu liso confuso em um embrenhado de quem dormiu mais do que podia, começou a se retorcer como vento leve, impossível se notar no cenário do caos, junto ao pescoço e dedos que dedilhavam a própria folha de notas. Um piano de uma oitava sobre o saco plástico.
E me assombrei. Menos de 2 metros e meio dali, passavam ônibus Lapa com cem pessoas dentro, caminhões pesados de tremer a tampa do bueiro, carros de escapamento estourado, pessoas apressadas com seus Mp3 players sem fone (a maior grosseria da pós-modernidade, individual forçadamente compartilhado... faz um Facebook e entra prum BBB da vida, meu caro, não me estorve a paciência matinal!). Centimetros com tudo isso, e o dedilhar era tão harmônico, tão independente, senhor de si, inerte e autosuficiente no meio da guerra nuclear. Uma sala de estar interna. As batidas dos eixos de caminhões começaram a fazer sentido, as teclas me davam aquele som em compasso, vi a música, ouvi a partitura! Sem pedir licença pra menina, entrei naquela bolha, fez sentido, fazia sentido!
Os dedos recolhem o saquinho de partituras e colocam de volta na mochila serrana, medo de entrar no transe e não ver o maldito 7725/10. E quem sou eu pra pensar "eu te aviso quando, pode deixar, continua"?, afinal, também roubei pra mim o transe dela.
Os dedos continuaram se torcendo, aquela tensão contida. Eu sei que é, eu também disfarço fazendo isso, energia saindo pelas extremidades.
O ônibus passou, ela entrou com sua mínima pinta na bochecha e expressão de menina estudiosa, eu também. Tamborilei melodias o dia todo, mesmo e principalmente a dos caminhões da rua. Na falta de um piano, não...?
{
Só completando: ao chegar na Eca me apresentam isso, fascinante, partitura visual material... e só agora, escrevendo (! - "das funções da escrita, capitulo 2: a ordem pessoal e auto-conhecimento") , me cai a ficha da sincronicidade! Tem tudo a ver com o que passei, ainda que brevemente, minutos antes!!!
http://www.youtube.com/watch?v=Ws_R_GxZX2o
http://www.youtube.com/watch?v=GF0-wGbRqEs
Mágico, vida mágica!
}
Hora de dormir, cansaço acumulado é mesmo veneno de workaholic... Foi a sensação desse minuto que ficou de hoje, foi bonito pra mim.
Boa noite!
Um primeiro dia (pouco) mais calmo em dias. Acordar não tão cedo e me propor a ver um pouco de filme antes de ir pra reunião (e são tantas, e são tantas, o que houve com a vida?) na Eca. Aliás, acabei o filme só depois, é da minha lista pra pesquisa de TCC: "Maradona by Kusturica": claro que o argentino é um imenso ególatra mas, putaquipariu, não lembrava que ele chutou tão bem, mammamia; e olha que futebol não costuma me comover quase nada.
Pra ir à reunião, a eterna espera pelo maldito 7725/10 da Sptrans, uma linha de ônibus dadaísta que nãoo gosta de manter padrões entre seus horários largamente espaçados. Em Sampa eu não sou um ser motorizado, e isso tem me frustrado no limite, quero resolver isso bem em breve... enfim, enfim.
Chega a moça-de-vestido-verde-botas-gnomo-celular-vermelho-com-ligações-tensas, pergunta pelo mesmo ônibus. Troca de comentário descontente semi-sorridente comme d'habitude, ela senta pra resmungar no celular, eu continuo com a mente rasa e esvaziada, procurando alguém mais notável para observar, pensando em segundo plano em uma tira em quadrinhos para se desenhar...
Eu já conhecia a outra menina que chega de vista, do ônibus de volta ou da região do condomínio. E, se sou um péssimo fisionomista e não botaria fé em saber de seu rosto e jeitos, guardo com facilidade elementos como uma mochila mínima bordada do "Festival de Inverno de Campos do Jordão"; adoraria ir no próximo, preciso criar vergonha e dar um jeito. Por mais que eu não goste daquela cidade, más lembranças.
Ela me faz a mesma pergunta da outra moça, desculpeeutambémsóchegueifaz5minutospoisé, agradece e se senta. Na meia-hora seguinte, a pobre moça atrasada me foi um excelente assunto...
Se a mochila era uma boa dica, sua abertura e o maço de partituras tirado pela mão pálida confirmavam a Ecanidade, e o Departamento de Música. Pronto, uma instumentista, ou talvez compositora, regente!
Tentei ler a partitura com minha competência musical limitada e destreinada, uma aria bem clara, pareceu simpática. Folhas com algumas notas a lápis, e uma leitura atenta pelos óculos ovaloides metálicos, lembrando bastante os do Iuri. Olhos cor de azeitona de pote de mercado concentradíssimos, dedos torcendo com uma leveza que ocultava a tensão que não calava.
Os cabelos castanho claros, perdendo na altura dos ombros seu liso confuso em um embrenhado de quem dormiu mais do que podia, começou a se retorcer como vento leve, impossível se notar no cenário do caos, junto ao pescoço e dedos que dedilhavam a própria folha de notas. Um piano de uma oitava sobre o saco plástico.
E me assombrei. Menos de 2 metros e meio dali, passavam ônibus Lapa com cem pessoas dentro, caminhões pesados de tremer a tampa do bueiro, carros de escapamento estourado, pessoas apressadas com seus Mp3 players sem fone (a maior grosseria da pós-modernidade, individual forçadamente compartilhado... faz um Facebook e entra prum BBB da vida, meu caro, não me estorve a paciência matinal!). Centimetros com tudo isso, e o dedilhar era tão harmônico, tão independente, senhor de si, inerte e autosuficiente no meio da guerra nuclear. Uma sala de estar interna. As batidas dos eixos de caminhões começaram a fazer sentido, as teclas me davam aquele som em compasso, vi a música, ouvi a partitura! Sem pedir licença pra menina, entrei naquela bolha, fez sentido, fazia sentido!
Os dedos recolhem o saquinho de partituras e colocam de volta na mochila serrana, medo de entrar no transe e não ver o maldito 7725/10. E quem sou eu pra pensar "eu te aviso quando, pode deixar, continua"?, afinal, também roubei pra mim o transe dela.
Os dedos continuaram se torcendo, aquela tensão contida. Eu sei que é, eu também disfarço fazendo isso, energia saindo pelas extremidades.
O ônibus passou, ela entrou com sua mínima pinta na bochecha e expressão de menina estudiosa, eu também. Tamborilei melodias o dia todo, mesmo e principalmente a dos caminhões da rua. Na falta de um piano, não...?
{
Só completando: ao chegar na Eca me apresentam isso, fascinante, partitura visual material... e só agora, escrevendo (! - "das funções da escrita, capitulo 2: a ordem pessoal e auto-conhecimento") , me cai a ficha da sincronicidade! Tem tudo a ver com o que passei, ainda que brevemente, minutos antes!!!
http://www.youtube.com/watch?v=Ws_R_GxZX2o
http://www.youtube.com/watch?v=GF0-wGbRqEs
Mágico, vida mágica!
}
Hora de dormir, cansaço acumulado é mesmo veneno de workaholic... Foi a sensação desse minuto que ficou de hoje, foi bonito pra mim.
Boa noite!
3 Comments:
Só depois de ler o seu texto, entendi aquele seu comentário sobre não desistir de ver a beleza nas coisas... fez sentido.
Você é assustadoramente observador. (Seria um ótimo repórter! hahaha!)
beijos!
Fiquei encantada com as palavras.
No meu círculo, dos textos que tenho visto, são todos espécie de válvula de escape, uma tentativa de representar pura e simplesmente o que se sente. Gostei da forma como vc transforma em ouro um evento que por muitos passaria batido. Como cronista, já cativou completamente essa leitora.
Beijos
você nem imagina o tamanho da visão
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